Obrázky stránek
PDF
ePub

II.

O unico argumento que no Brasil fez com que fosse abolida a justiça collectiva na primeira instancia foi o da necessidade de serem julgadas com rapidez as causas que ainda tinham de ser julgada em grau de recurso. Tal argumento proveio porem, como já foi dito, do erro de ter sido adoptado para julgamento perante o tribunal collectivo o processo escripto em vigor então. O estabelecimento do processo oral, como existe nos mais adiantados paizes do mundo, corrige esse unico defeito apontado contra o juizo collectivo na primeira instancia ao lado das innumeras vantagens que traz e determina a sua adopção na segunda instancia em todas os paizes como provou Souza Bandeira.

Em illustrada conferencia que realisou o douto advogado brasileiro Dr. Carvalho Mourão, provada ficou a excellencia do processo oral sobre o processo escripto, com os exemplos do que se dá na Allemanha, na França, na Austria, na Suissa, na Italia, na Inglaterra, na Belgica, na Hollanda, na Dinamarca, na Suecia, na Noruega e nos Estados Unidos onde funcciona o processo oral com o excellente resultado de trazer com rapidez o julgamento rigoroso das demandas.

O modo porque são tratadas as causas no processo oral é muito simples. Em França, por exemplo, começada a causa pela citação que contem a constituição do avoué, o objeto da demanda a indicação do prazo dentro do qual deve o reo comparecer, as copias dos documentos e até da conciliação, seguem-se desde logo a instrucção com o complemento da prova pelos debates durante os quaes o tribunal pode ordenar diligencias se julgar necessario, a troca de conclusões e a apresentação da causa para ser julgada em audiencia. 0 julgamento se faz de 4 maneiras. Se os juizes se julgam esclarecidos, deliberam em voz baixa na propria sala das audiencias e proferem desde logo a sentença; se o caso exige maior exame e mais calma reflexão suspende-se a audiencia e os juizas vão para uma sala proxima combinar a decisão; podem ainda os juizes adiar o julgamento para outra audiencia afim de melhor examinarem os documentos e a prova; se finalmente a causa parecer de excepcional difficuldade pode o tribunal, alem de adiar o julgamento, podem incumbir um dos seus membros do estudo da questão para apresental-a assim a julgamento.

A exposição succinta do modo porque se prepara a causa para ser julgada e dos diversos modos porque se pode julgal-a justifica as conclusões a que chegou o illustre advogado brasileiro e que se resumem nas seguintes:

(a) A deliberação para a sentença é muito mais cautelosa e nunca permitte que o tribunal, a não ser por culpa propria, decida a causa sem estar perfeitamente esclarecido; (b) attende á differente complexidade e importancia das causas, prescrevendo para varias hypotheses varios rodos de julgamento; (c) dispensa os juizes da leitura dos autos e deixa-lhes facilidade de celebrar sessões e julgar todos os dias o tempo para melhor estudo dos progressos da sciencia juridica; (d) eleva moral e intellecutalmente a classe dos magistrados e a dos advogados pela ampla publicidade das deliberações e decisões. O eminente Bluntschli sustenta o processo oral. "O processo oral," diz elle, "prende-se estreitamente ao principio da publicidade, torna as relações entre a parte e o juiz mais directas e mais vivas, contribue para a descoberta da verdade, augmenta a confiança das partes e da á justiça um caracter nacional e popular." A escripta, continua, não é senão a expressão imperfeita de um phenomeno ausente e uma multidão de impressões que ferem a vista ou o ouvido e desapparecem completamente. A letra morta que serve de traço de união entre o juiz e a parte é facilmente mal comprehendida, inexacta, lida com negligencia. A desconfiança do publico nasce logo e a experiencia demonstra que uma habili88436-17-VOL VII- -42

dade de offiicio, sabia em apparencia, acha na escripta meio de bater moeda e baralhar as cousas a ponto dos juizes se não entenderem mais.

O processo oral, finalmente, conclue, facilita a elucidação dos casos o que é um caracter e uma exigencia da boa justiça.

No projecto de codigo de processo civil brasileiro, em discussão na Camara dos Deputados já foi victoriosa a idea de que na segunda instancia o processo de julgamento será o oral. Dia virá em que os bons resultados deste ensaio parcial levarão o legislador a adoptar o processo oral em todos os tribunaes.

III.

As funcções dos tribunaes de primeira instancia devem ser o processo e julgamento de todas as causas civeis e criminaes. A especialisação das funcções, que é hoje uma idea vencedora, exige, porem, que o tribunal seja dividido em Camaras, discriminando-se completamente o serviço civil do criminal.

É tambem de vantagem que os processos de natureza administrativa corram perante juizes especiaes que deliberarão singularmente sobre os actos exclusivamente dessa natureza com recursos que sejam rapidamente decididos e que se reunirão quando tiverem de decidir questões contenciosas que nelles surgirem.

Perante esses juizes administrativos o processo será organisado de modo que seja rapida a decisão dos incidentes em que intervem, sem formalidades determinadas em lei, o arbitrio do juiz, para derimir questões que não exigem em regra altos conhecimentos juridicos e cuja decisão deve ser prompta.

IV.

Concluindo: 1°. Os Juizes devem ser nomeados pelo mais alto tribunal de justiça da circumscripção onde tiverem de servir, observada a distincção entre justiça federal e local nos paizes onde houver dualidade de justiça.

2o. O concurso não é necessaria garantia da boa nomeação, uma vez que esta seja feita pelo poder judiciario.

3o. O julgamento na primeira instancia deve ser collectivo, observado o processo oral.

4o. Os tribunaes collectivos devem ser divididos em Camaras para que se possa attender á especialisação das funcções de cada uma, julgando uma no civel, outra no crime.

5o. Para as causas administrativas haverá juizes singulares, com recurso para o tribunal de segunda instancia, funccionando esses juizes sem formas preestabelecidas de processo e reunindo-se em tribunal quando no processo administrativo houver questão de natureza contenciosa.

DELICTO JUVENIL.

Por ALFREDO BALTHAZAR DA SILVEIRA,
Socio effectivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.

L'enfant peut faire du mal, mais il ne saurait jamais faire mal.-ROUSSEAU.

La conscience d'un enfant est une cire malléable sur laquelle une main bienfaisante peut effacer l'empreinte du vice.-MARCEL KLEINE.

Rudolf von Thering, aquella privilegiada mentalidade que escreveu a Lucta pelo Direito, evangelho sublime que arrebata o coração e convida o homem a meditar sobre o problema social que mais lhe interessa a existencia-a defesa dos seus direitos-robustecendo-lhe as energias enfraquecidas pela ausencia de uma sã educação, ou pela acção dissolvente do meio oude elle se educou e vive; Rudolf von Thering, o pesquisado intelligente e subtil de "Espirito do Direito Romano," observava com indiscutivel autoridade que o Dirieto Penal é o aspecto de direito que reflecte em toda a sua integridade a individualidade do povo, os seus pensamentos, os seus sentimentos, o seu caracter, as suas paixões, o seu gráo de civilização e barbaria, toda a sua alma emfim.

Determinando o grande adiantamento da sociedade que rege, a qual nem sempre que libertar-se de preconceitos, crenças e superstições, só admissiveis quando a vida humana dependia de um gesto do soberano, o Direito Penal é o mais seguro thermometro da cultura de um povo.

Nas epochas de cultura limitada em que predomina a ignorancia do povo para gaudio dos governantes, fecham-se as escolas, sobrecarrega-se o povo de impostos pesadas, asphyxia-se a inicativa privada, e os mais ligeiros delictos são punidos com rigor maximo. Que importa que a constituição politica garanta o direito de propriedade, prohiba a violação de correspondencia epistolar, estabeleça a liberdade de pensamento, equipare os estrangeiros aos nacionaes, negando-lhes apenas o direito de voto, determine positivamente que todos os litigios internacionaes serão dirimidos pelo arbitramento e que o paiz jamais se empenhará em guerra de conquista, se aos delinquentes communs se applica um regimen que, longe de preserval-os da reincidencia, faz nascer nelles um odio implacavel aos poderes constituidos accendendo-lhes no peito o desejo de vingança?

Vinte e cinco annos são decorridos da promulgação do codigo penal brasileiro e, peja-nos dizel-o, até a presente data, ainda se applica o regimen cellular, ainda se tolera a promiscuidade entre os veteranos do crime e os jovens delinquentes, ainda se não cogitou de educar o menor transviado, furtando-o ao convivio dos profissionaes do crime e internando-o em asylos correccionaes. Ah! a promiscuidade das prisões, recreio predilecto daquelles cuja consciencia ja enmudeceu, mas que horroriza os homens honestos que delinquiram sob o imperio de insuperaveis difficuldades, é o caldo em que se retempera a criminalidade, é o factor principal da criminalidade infantil, é o maior obstáculo á readaptação social do recluso, cujo caracter se vae abastardando com as scenas abominaveis que diariamente presencia, com as licções e conselhos que escuta, com os livros licenciosos que despertam os sentidos adormecidos.

E naquelles cerebros enfraqueridos pelas frequentes libações que consomen as energias, as economias e o tempo do homem, pela prejudicial actividade a que se entregam, concertando planos diabolicos e escrevendo mentiras, só fecunda a idea do mal.

E o odio que os criminosos votam a sociedade que os encarcera em cellulas onde o ar e a luz difficilmente penetram, aggravando-lhes a situação precaria com castigos que rivalizam com os supplicios inquisitoriaes, é tão inexoravel que o comparo ao que vencedor de Cannes, jurara, quando creança, aos descendentes de Romulus. E póde-se attribuir ao modo por que se pune o delinquente, victima não poucas vezes dos erros e preconceitos de uma sociedade mal policiada que tortura os criminosos, submettendo-os a longos e penosos interrogatorios que não aproveitam á justiça, o incremento da criminalidade e o aspecto scientifico que ella assume. O egreno da prisão é um ser infeliz a quem tudo se nega, inclusive o direito de trabalhar; perseguidos pelos agentes de policia que além de diffamal-os exigem delles não pequenas sommas, intrigando-os com as autoridades e commerciantes, e repellidos pela sociedade que considera a reeducação do delinquente um devaneio dos escriptores de direito penal, o egreno da prisão não póde escolher outra vida, não póde abandonar a senda do crime, onde elle encontra agazalho e dedicações.

E atormentado contra tamanha iniquidade, revoltado contra a sociedade que festija as damas levianas e os ladrões que vertem casaca e sabem insinuar-se nas altas rodas, punindo o homem que rouba um pão, um casaco velho, e martyrisando a infeliz lourreira, ou ex-detento ou emigrará para terras onde os seus feitos sejam ignorados, ou retornará, então, ao seio dos companheiros do vicio, repetindo a divisa dos naufragos da vida:

[ocr errors]

Una salus victis, nullam sperare salutem.” E a luta titanica que se observa nos tempos que correm, entre o crime que, desafiando a inercia dos poderes publicos e escarnecendo das leis e regulamentos penaes, atordoa a justiça e a policia, não deixando vestigios que orientem o juiz activo e perspicaz, e a sociedade que procura apparelhar-se para reprimil-o com energia, mas que succumbe, vencida pela imprestabilidade das armas que emprega, é incontestavelmente o grande problema do seculo actual, a maxima preoccupação dos governantes avisados.

Applicando a sua intelligencia ao serviço do mal, e aproveitando-se das conquistas scientificas da epocha, o delinquente hodierno pratica com uma arrogancia que assombra os mais audaciosos furtos, os mais repellentes crimes, certo de que a policia não descobrirá, o seu esconderijo, nem lhe tolherá tampouco os passos nos clubs elegantes e nas ruas de grande movimento.

E, obsedados poi ideias sinistras que lhes estimulam o odio á sociedade em que vivem, elles julgam-se predestinados a corrigir os vicios e injustiças sociaes, assassinando chefes de estado e dynamitando hoteis, theatros, parlamentos e palacetes de abastados.

"Comme fá ridere la lora credulitá!" Tenue, qual a luz mortiça da lamparina que alumia o estreito cubiculo do condemnado, ha sido o erforço do congresso nacional para debellar a criminalidade primaria, o grande inimigo do nosso seculo, que qual novo Briaren multiplica a sua actividade perversa.

E as vozes de um pugillo de crentes, que ainda sentem o coração palpitar de enthusiasmo pela terra em que nasceram e que guarda os despojos de entes queridos, são abafadas pelos echos ruidosos dos tangos e diversos outros folguedos, apreciados nos tempos do imperio romano.

Si "le caprice des enfants n'est jamais l'ouvrage de la nature, mais d'une mauvaise discipline, conforme doutrinava o notavel autor do " Emilio" se o suenor delinquente, oriundo quasi sempre das mais baixas camadas sociaes, é torpemente explorado pelos ladinos mandriões que sabem aproveitar-se da sua ingenuidade e do desleixo social, merece francas censuras a altitude criminosa dos estados que se não preoccupam com tão empolgante problema.

Alimentada pelo pauperismo-reserva da prostituição e da criminalidadee por outras causas que o indifferentismo social fermenta, a delinquencia juvenil, privando as artes, as industrias e a lavoura de robustos braços, roubando á sociedade seres em cuja vitalidade, ella poderia repousar, esterelizando o sólo que só prosperará com o braço estrangeiro, duplicando as despezas do estado com a captura e sustento dos menores transviados, bem merece ser equiparada aos flagellos sociaes.

Nenhum outro problema social me ha despertado tanto interesse e roubado horas que votara ao recreio, como a delinquencia juvenil que cresce na razão directa do deveavo que entre nós se vota a questões de alta monta social. Campeão ardente desta benemerita cruzada, que, infelizmente, não tem alcançado dos dirigentes o necessario apoio para triumphar dos desdens e remoques do cobeso grupo dos retrogrados, talvez pelo modo por que hão sido dirigidos os esforços dos batalhadores, talvez pelo egoismo pequenino dos que se esquecem completamente daquelles * * * "dont l'âge de la tendresse ne fut qu'un cercle de douleurs," tenho combatido sem desfallecimentos nem treguas essa perigosa inercia social.

Não são nada pequenos os estragos que della defluem, entediando o coração da juventude e amortecendo-lhe as ambições, desorganizando o trabalho e nullificando os esforços dos que se não conformam com o veio forçado, a inercia é o esteio dos governos despoticos, o bacillo de um sem numero de males que devastam as sociedades organizadas.

Para evitar-se o desenvolvimento da delinquencia primaria, fôra necessario organizar-se uma cruzada contra a ignorancia em que vivem pessoas relativamente instituidas, acerca dos problemas penaes, exigindo-se dos seus capitães uma tenacidade ferrea, um devotamento em nada inferior ao dos antigos guerreiros, cujas façanhas a historia registra e a literatura commenta e exalta. Si o delicto não é o producto exclusivo da vontade do homem são, mas a consequencia da actuação de diversos factores que operam conjunta ou insoladamente num cerebro deficiente, ou perturbado momentaneamente por circumstancias imperiosas; se a classificação dos criminosos não é um devaneio dos escriptores que procuram propularisar-se, constituindo um dos maiores triumphos da sciencia penal moderna e cercando, portanto, certos delinquentes de algumas garantias, o menor delinquente deve ser estudado á luz dos ensinamentos scientificos e nunca enclausurado em prisões que recolhem criminosos da peior especie. Acceitando a theoria de Ferri, não é delinquente quem o quer ser, estudemos, embora ligeiramente, quaes as causas que alimentam a delinquencia juvenil, aggravando a dolorosa situação do menor abandonado no Rio de Janeiro, cidade onde a infancia desvalida ja vae merecendo carinhos dos corações ge

nerosos.

Tão positiva ha sido a demonstração da influencia que a hereditariedade exerce na formação dos seres vivos, que só um espirito teimoso, adduzindo argumentos sediços e avançando proposições que a sciencia vantajosamente destroe, ousará negal-a.

Outr'ora quando não era conhecida a Eugenia a sciencia que tem por escopo o estudo dos agentes que possam melhorar ou alterar as qualidades nativas, physicas ou mentaes da raça, segundo a definição de Galton, diversas legislações, prohibiam o casamento entre seres que diversificavam em posição social, em lingua, costumes, residencia, entre os affectados de molestias perigosas; entre proximos parentes; e philosophos emeritos, abandonavam os seus estudos predilectos, durante algumas horas, que consagravam á propaganda de ensinamentos relativos á hygiene conjugal, á educação physica e mental de menores de ambos

« PředchozíPokračovat »